Historial & Trajetória
Historial
O AND Lab, fundado em 2011 em Lisboa e constituído como associação cultural sem fins lucrativos em 2015, é uma estrutura artesanal de investigação artística, que tem vindo a desenvolver uma abordagem única, experimental e expandida à criação artística, praticando-a enquanto ação micropolítica duracional, transversal e interdisciplinar, conjugando modos de fazer e interfaces com origem em diferentes campo artísticos (performance, dança, teatro, artes visuais, práticas site-specific etc) e em áreas tais como a antropologia, a educação e as pedagogias radicais, a psicologia clínica de território, a arquitetura e a agricultura sustentáveis, o ativismo e a mediação comunitária etc.
Esta abordagem foi-se constituindo numa marca singular, ao longo de anos em que o AND Lab vem sustentando uma programação consistente e regular, sempre assente na permeabilidade entre pesquisa, transmissão e criação, assim como na construção de dispositivos performativos relacionais imersivo-participativos que, ao mesmo tempo, proporcionam a habitação do encontro e permitem tomar a convivência enquanto lugar de pesquisa e co-criação coletiva.
A programação do AND Lab assenta na transmissão-partilha das ferramentas do Modo Operativo AND (metodologia de composição colaborativa e cuidado-curadoria criada por Fernanda Eugenio) em conversa com práticas afins e com a proposição de diferentes questões motoras a cada ano. Atualmente, o AND Lab habita já há dois anos a cooperativa Penhasco, depois de um período itinerante, no qual foi acolhido por várias estruturas da cidade, estabeleceu uma rede em outros países da Europa e América do Sul e firmou um programa regular em Lisboa - cujo carro-chefe, o programa continuado e expandido de formação artístico-política Escola do Reparar, ancora-se num anterior programa de escolas e laboratórios de verão que contou com 5 edições em Lisboa e 8 edições brasileiras, realizadas nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba.
A Escola do Reparar toma corpo em 2020 com uma edição piloto e torna-se programa regular em 2021 juntamente com a comemoração dos dez anos de existência da plataforma AND Lab em Lisboa, a partir de um sólido trabalho de investigação artística das políticas da convivência, que vem acumulando experiência e tecendo redes há quase duas décadas, entre Portugal e Brasil.
Instalando-se como plataforma perene e transversal, no campo vivo de lutas político-afetivas que temos habitado, o AND Lab assenta-se no "entre", enquanto instância de experimentação e re-imaginação do que queremos e podemos enquanto comunidades.
Trajetória
O AND Lab e o Modo Operativo AND, tal como hoje se estruturam, emergiram como consequência da extensa trajetória de investigação-inquietação de Fernanda Eugenio desde os anos 2000, marcada por colaborações intensivas, deslocações e desvios, entre a pesquisa acadêmica estrita e uma investigação singular e cada vez mais indisciplinada dos usos artísticos e políticos da etnografia como ferramenta circunscritiva-performativa.
Esta pesquisa, sendo processual, sintetizou-se de diferentes modos e com diversas nomenclaturas ao longo desses anos – Sistema É-Ou-E, Modo de Vida E, Etnografia Recíproca, Etnografia como Performance Situada, Reprograma, Reparagem, Pensacção – até adotar a atual nomenclatura Modo Operativo AND, firmada durante uma fase de colaboração com o coreógrafo português João Fiadeiro.
A primeira formulação do Modo Operativo AND surgiu em 2002, com o pano de fundo da antropologia, no âmbito da pesquisa de doutoramento de Fernanda Eugenio, realizada, entre 2002 e 2006, no Museu Nacional, Rio de Janeiro, Brasil. Seguiu-se uma aproximação ao campo das artes performativas e uma transversalização crescente do AND enquanto conjunto de ferramentas, que levou à emergência de uma vasta rede de pessoas colaboradoras e interlocutoras das mais diversas áreas: sem prejuízo da relação com as práticas artísticas (performativas, cênicas e visuais) e com os estudos de performance, foram ganhando especial relevo os cruzamentos com as práticas de cuidado e mediação na psicologia (em particular na clínica transdisciplinar e de território), na pedagogia, no serviço social, no serviço educativo de museus e centros culturais, mas também no ativismo, na arquitetura e no urbanismo tático. Surgiram ainda prolíficas conversas e aplicações do Modo Operativo AND em áreas tão diversas quanto a informática, a agricultura e a alimentação ou as neurociências.
A colaboração de longa duração entre Fernanda Eugenio e João Fiadeiro, iniciada em 2009, sob a forma de iniciativas pontuais entre Brasil e Portugal, foi formalizada num projeto produzido pela estrutura Real e apoiado pela Direção Geral das Artes, entre 2011 e 2014. Assim, num primeiro momento, entre 2011 e 2012, o AND Lab foi, sobretudo, um projeto de investigação: simultaneamente projeto de pós-doutoramento em Antropologia de Fernanda Eugenio no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e iniciativa em colaboração com a estrutura Real. Nessa altura, João Fiadeiro tinha suspendido o seu trabalho autoral, acolhendo este “laboratório de etnografia recíproca”, no qual a ética AND proposta por Fernanda Eugenio viria a ser colocada, sistematicamente, em conversa com o método da Composição em Tempo Real (CTR), desenvolvido pelo coreógrafo desde os anos 90.
Datam deste período as conferências-performance Secalharidade (2012) e O Jogo das Perguntas (2013), que procuraram sintetizar a filosofia habitada do Modo Operativo AND. Foram anos de experimentação intensiva, durante os quais Fernanda e João chegaram a pensar que as suas ferramentas – o Modo Operativo AND e a Composição em Tempo Real (CTR) – formariam um só conjunto de práticas.
Em Março de 2013, ainda neste enquadramento, fundaram o AND Lab como centro de investigação, num movimento que o fazia passar de projeto a lugar. A primeira sede do AND Lab foi no Atelier Real, em Lisboa – sede também da Companhia Real, de João Fiadeiro.
Durante o ano de 2013 e, principalmente, em 2014, o uso intensivo e as interlocuções que se foram juntando à volta das duas práticas ajudaram a clarificar importantes diferenças de modulação, enfoque e aplicação entre ambas. O MO_AND foi confirmando a sua inclinação enquanto ferramenta de cuidado-curadoria de uso transversal e pronunciadamente político, enquanto a CTR foi reencontrando o seu lugar e importância como ferramenta de composição coreográfica e metodologia de criação. Preservando-se o reconhecimento da riqueza que o período de convivência trouxe a cada pesquisa, as duas práticas seguiram caminhos próprios a partir de 2014. Ainda hoje são partilhados alguns procedimentos, entre os quais o jogo básico de tabuleiro, embora MO_AND e CTR lhes dêem, cada qual, um uso distinto. Também parte do vocabulário atual praticado por João Fiadeiro na CTR segue alimentado pela filosofia AND.
O Modo Operativo AND consolidou-se enquanto ética e modo de vida comprometido com uma aplicação no plano das micropolíticas de reciprocidade que sustentam a vida (em) comum, englobando um conjunto de ferramentas de uso coletivo aberto a qualquer tipo de corpo, matéria ou inquietação. Tornou-se em metodologia de base para um projeto transversal e continuado de formação artístico-política, no cruzamento entre as artes, o pensamento crítico, as práticas político-afetivas encarnadas e as pedagogias radicais.
A partir de 2015, a plataforma AND Lab, firmando-se no entrelaçamento entre fazeres artísticos, processos participativos, política e espiritualidade, seguiu, sob a direção de Fernanda Eugenio, habitando e aprofundado práticas de cura(doria), justeza social e (re)ativação da inseparabilidade enquanto experiência sensível de relação com a terra-soma. Mantendo-se em Lisboa, o AND Lab tornou-se itinerante e foi acolhido por diferentes estruturas da cidade, do Estúdio Vanda Melo ao Fórum Dança, passando por uma temporada de colaboração com o coletivo Baldio Estudos de Performance. Entre meados de 2015 e meados de 2016, tomou, finalmente, a forma de uma associação cultural, no plano da qual Fernanda Eugenio passou a contar com o apoio afetuoso e atento de Ana Dinger, nos cuidados estruturais e no dia-a-dia da pesquisa, até 2019.
Entre 2015 e 2019, emergiram os programas anuais e regulares das Escolas e Laboratórios de Verão AND, que, sob a direção e curadoria de Fernanda Eugenio, em conversas locais com diferentes interlocutores, se estabeleceram no eixo Portugal-Brasil, com edições temáticas anuais em Lisboa, Rio de Janeiro, Curitiba e São Paulo. A força de intervenção somático-política desses encontros - e a sua capacidade de fazer campo energético, instalando-se enquanto zonas espácio-temporais de agregação, interconexão e transmutação - traduziu-se na afluência e aglutinação crescente de pessoas a se deslocarem para as imersões, em cada vez maior número e de propósito. Este movimento, aos poucos, foi sinalizando a necessidade de se construírem condições para que essa paisagem pulsante pudesse se firmar num formato continuado, extensivo e duracional. Assim, tendo como ancestrais diretos esses encontros intensivos anuais, emerge em 2020 o atual programa expandido da Escola do Reparar.
Ao longo desse período intensivo de cinco anos em que duraram as escolas e labs, o AND Lab realizou a maior parte das suas atividades nas dependências do equipamento municipal Polo Cultural das Gaivotas, até mudar-se, em dezembro de 2019, para a cooperativa artística Penhasco, onde firmou seu pequeno atelier lisboeta. Em paralelo, foram abertos cinco núcleos locais do AND Lab no Brasil - em Curitiba (desde Novembro de 2017, cuidado por Francisco Gaspar Neto e Milene Duenha), no Rio de Janeiro (desde Janeiro de 2018, cuidado por Guto Macedo, Iacã Macerata e Mariana Pimentel), em São Paulo (desde Agosto de 2018, cuidado por Naiá Delion e Pat Bergantin), em Brasília (desde abril de 2019, cuidado por Alina Duchrow, Guilherme Mayer, Luana Castro, Jaqueline Silva e Rosa Schramm) e em Palmas (que se inicia enquanto desejo em novembro de 2019 e se firma em março de 2022, cuidado por Thaise Nardim) e dois núcleos local na Europa - um na Espanha, em Madrid (desde Junho de 2018, cuidado por Samuel Sardinha) - e outro na Alemanha, em Berlim (desde maio de 2022, cuidado por Manoela Rangel).
A rede de interlocutores do AND Lab e do Modo Operativo AND, já antes transversal, concretizou-se, nos últimos anos, em projetos e iniciativas cada vez mais variados, num percurso de espalhamento também geográfico – entre Brasil, Chile, Argentina, Peru, Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia, Alemanha, Áustria, República Checa, Reino Unido, EUA, Canadá, Nova Zelândia, Vietnã e Filipinas.
Firmaram-se, também neste tempo, projetos colaborativos sensíveis e de visceral importância para o MO_AND, tais como:
a retomada a partir de 2014 da colaboração em práticas site-specific entre Fernanda Eugenio e Gustavo Ciríaco (2009-atual);
a interlocução de Fernanda Eugenio com Soraya Jorge e o Movimento Autêntico, tendo também a companhia de trocas de Guto Macedo e Naiá Delion, numa pesquisa continuada de procedimentos para a escuta sensível e a (co)responsabilização, a partir de uma aproximação entre o Reparar e o Testemunhar (2015-atual);
a temporada colaborativa entre Fernanda Eugenio e Francisco Gaspar Neto à volta dos AND How (2015)
a emergência do projeto dos Metálogos entre Fernanda Eugenio e Ana Dinger, que se tornou numa série e teve seis edições (2015-2019);
a entrada em conversa direta com a clínica e a psicologia transdisciplinar, tendo como interlocutores mais frequentes, numa relação direta com Fernanda Eugenio, Iacã Macerata e Ruan Rocha, além de contribuições de Eduardo Passos, Catarina Resende, Mariana Borges, Letícia Barbosa e Christian Sade, no Brasil, e Mariana Ferreira, em Portugal (2017-atual);
as pesquisas iniciais à volta do que se tornaria o procedimento ANDbodiment, com Fernanda Eugenio, Milene Duenha e Flora Mariah, e tendo como corpas convidadas Joana Maia e Ruan Rocha (2017-2018)
o encontro do MO_AND com a Ternura Radical, nas Práticas de Des-Imunização e nas Práticas de Dis-solução criadas entre Fernanda Eugenio e Dani d'Emilia (2018-2020) e, mais recentemente, nas nascentes Re-fusing Practices, quando então se soma, às duas, a colaboração de Sarah Amsler, abrindo-se um plano de relação mais direto com o universo do coletivo Gestos Rumo a Futuros Decoloniais (2021).
a emergência de um desdobramento dos jogos de corpo-território (ANDbodiment e Comparência) do MO_AND, a partir do foco nas manifestações etéricas e na movência de forças que começam a se tornar frequentes neste plano, levando a uma pesquisa da en/ex-corporação que ativa uma espiritualidade política e uma política espiritualizada, num projeto colaborativo entre Fernanda Eugenio, Pat Bergantin e Manoela Rangel, as Práticas de Re-mediação (2020-atual)
A partir de 2020, começa a tomar corpo, ainda, uma importante reorientação no projeto do AND Lab, rumo a uma relação de proximidade e coabitação mais direta com a terra. Esta inclinação, que foi sendo gestada como desejo ao longo dos anos, assente no modo comunitário de vida que emergiu à volta do MO_AND, confirmou-se como ainda mais premente e justa com o surgimento da pandemia de covid-19, levando a diferentes experimentações junto a estruturas de acolhimento no campo, tanto no Brasil como em Portugal, com a realização de algumas residências, chamadas experimentalmente de LAND, na Bahia e no Algarve, até a emergência da parceria com a Trust Collective, no Barril de Alva, região de Coimbra, através da qual a Escola do Reparar faz um primeiro movimento mais consistente de transferir as suas ações para o campo.
A situação pandêmica também corrobora, entre 2020 e 2021, para uma reconfiguração nos modos de relação entre as pessoas colaboradoras no AND Lab Lisboa e nos diferentes núcleos AND espalhados pelo Brasil. Com a passagem do plano relacional, predominantemente, para a interface online, as ações que antes eram organizadas fragmentadamente, em diferentes cidades, entre Fernanda Eugenio e cada grupo local, concentram-se num só plano, levando à integração de todes num só grande grupo, a fazer campo de amparo e cuidado para o projeto a partir de diferentes localizações geográficas, organizando e propondo juntes ações que passam a integrar a Escola do Reparar. Emerge, assim, um coletivo transoceânico enquanto corpo sustentado da plataforma AND Lab: o AND Collective, formado por Fernanda Eugenio, Flora Mariah, Guto Macedo, Iacã Macerata, Manoela Rangel, Mariana Pimentel, Milene Duenha, Naiá Delion, Pat Bergantin e Ruan Rocha.